quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Consertando a panela de pressão III - A teoria

Voltando às minhas teorias, depois dos posts em que achei graça o velho costume de consertar as panelas de pressão, fiquei pensando sobre isso.

Porque panela de pressão é uma coisa útil, mas todo mundo sabe que é uma coisa perigosa também. Se a pressão não escapa, a panela explode. Se a pressão escapa demais, a comida não cozinha do jeito que era esperado. Então eu penso que, antigamente, quando as panelas estragavam: explodiam ou deixavam de cozinhar, a dona de casa, dona da panela, mandava a panela pra revisão. Trocava uma peça, uma borrachinha, e lá estava a utilidade de volta, pronta para durar bons meses (ou anos)...
E não é só máquina de pressão que era assim. Quem é da minha geração deve ter convivido pelo menos 15 anos com máquinas de lavar que eram do casamento dos pais, e conhecido pelo menos um "moço que conserta a máquina de lavar". Também é possível que tenha conhecido um "moço que conserta a geladeira" e até se lembre, com certa nostalgia, do barulho que as geladeiras antigas faziam, com seu motor que ligava e desligava...
Hoje em dia, ninguém mais conserta panela de pressão, máquina de lavar roupa, nem geladeira, até onde eu vejo. Muitas vezes, é mais barato (e mais prático), comprar uma nova.
O que me parece é que, com relacionamentos acontece a mesma coisa. Namorar, casar, relacionar a longo prazo, não é como ter um micro-ondas, que a gente põe a comida lá dentro e em 1 minuto está pronto. É como ter uma panela de pressão.
A gente (nós e eles, eles e elas) põe dentro dela experiências prévias, expectativas, sonhos.
A gente põe muito do que a gente é, do que a gente quer ser, do que a gente enfrenta. Colocamos na nossa panela de pressão do relacionamento duas pessoas por inteiro, e o estresse do dia-a-dia, os compromissos, as pressões internas (eu quero ser linda, gostosa, bem sucedida e casar, ele quer ser lindo, profissional perfeito, gostoso e ficar solteiro curtindo a vida alucinadamente até os 38 anos) e as pressões externas (vocês não vão casar? nossa, a filha da minha amiga é a chefe principal de uma multinacional no exterior e você ainda na faculdade? mas você ganhou uns quilinhos ou é só impressão minha?)... E vamos cozinhando esse caldo todo, na panela de pressão.
Um dia, como é inevitável, a panela estraga. Ou ela explode, ou ela deixa de cozinhar e a gente logo pensa que seria melhor tirar os nossos ingredientes porque aquela coisa não vai dar em nada mesmo. Até ai, normal, faz parte. Mas a gente não conserta a panela de pressão.
A gente sai, e compra uma nova. A gente desconsidera tudo o que já havia saído dali, todas as receitas que deram certo. A gente nem quer saber se era só uma borrachinha a ser trocada. A gente toma raiva dela ter explodido uma vez, depois de tanto uso, como quem grita: assim, não dá. Ou a gente toma birra dela ter perdido a capacidade de manter a pressão, e encosta a panela.
E nossos relacionamentos-panelas-de-pressão vão sendo substituídos, porque, às vezes, o que a gente busca é o que não existe: uma panela que nunca estrague. E não é só a panela de pressão que a gente passa a evitar.
A gente começa a comprar comida pronta, congelada, que tem a embalagem linda e aquele gosto...huuuuuum, aquele gosto de isopor de sempre. Porque ser feliz, viver e experimentar qualquer coisa gostosa, demanda esforço. Esperar a comida ficar pronta na panela de pressão é demorado. Dá trabalho.
Só que, relacionamentos (talvez como as pobres panelas), merecem ser consertados.
A gente precisa trocar a borrachinha de vez, regular direitinho as coisas. Porque é dali que vai sair a comida boa, da panela velha...por mais bonita que seja a embalagem da comida congelada.

11 comentários:

Fernanda disse...

Muito bonito o texto!
As pessoas precisam mesmo aprender a consertar os relacionamentos em vez de simplesmente descartá-los!

Cíntia Mara disse...

Nossa... vc tem razão, Laura! Engraçado como ás vezes umas coisa que parecem não ter nada a ver nos fazem pensar.
Eu sou uma panela de pressão que costuma explodir com frequência. Consertar é tão complicado! Realmente seria + fácil se pudéssemos trocar de personalidade ou de temperamento como trocamos os objetos que estragam, mas não é assim que crescemos e aprendemos.

A parte dos relacionamentos tem tudo a ver mesmo! Tá tudo ficando descartável, de panelas de pressão a casamentos. E o pensamento de muita gente ao se casar (ou firmar um contrato de união estável, que está na moda) é o famoso 'se não der certo separa'. E o 'até que a morte nos separe'??? Às vezes penso que nasci na época errada. Quero dizer, eu adoro a modernidade, grandes cidades, computador, internet e tal... mas a minha mente é meio 'antiga' se for comparar com a maioria das pessoas da minha geração.

Bjs

Fatinha disse...

Eu simplesmente adorei o post de hoje!!!
gostei msm!!!
minha familia esta passando por um momento dificil, precisavam ler esse texto!!
bjus

Ernani Netto disse...

Concordo!

Mas em casa a máquina ainda é daquelas de presente de casamento...

Bjaum

Ernani Netto disse...

O pior é que eu adoro música assim...

Bjaum

renata959 disse...

Laura, já te acompanho escondidinha faz um tempão. Mas esse post de hoje me tocou. Que lindo! E quanta sensibilidade para associar panelas com romances. Você é um gênio!

Concordo em numero, gênero e grau. Em matéria de romance, ninguém mais quer 'consertar a panela'. E, pensam: "Pra quê? Joga-se fora e pronto! Afinal é só uma panela, perfeitamente substituível". E lá se vai outro romance/casamento/namoro.

E, pensando na associação que vc fez, pensei que as pessoas escolhem a ‘panela’ praticamente sem conhecê-las direito também. É uma olhadinha rápida, mais por fora do que por dentro. Sei de pessoas que escolhem mais para os outros do que pra si. Abraçam um padrão pré-estabelecido e esquecem qual é o seu próprio desejo.

E assim, seguem – errantes. Sentem-se injustiçados pelas misérias da solidão e por não alcançam a tal felicidade... mas continuam 'descartando as panelas', conforme a conveniencia alheia. E alguns se perdem nas próprias lamentações. A ponto de esquecer de olhar pra si e refletir: “O que eu fiz pela minha felicidade hoje? Eu perdoei? Eu fui amigo? Eu ajudei? Eu dialoguei? Eu tentei consertar a relação?”.

Tenho a impressão de que estamos vivendo a era dos romances descartáveis. A pressão é muita, ninguém mais olha pra dentro de si. Ninguém mais esforça. Só se busca a tal felicidade lááááá no coitado do outro (que ainda por cima fica com essa responsa de "te fazer feliz", qdo o certo seria: estar feliz consigo e, justamente por isso, querer dividir essa felicidade com o outro).

Mas parece que todo mundo quer felicidade já pronta. Igual à da novela das 8. Ninguém se lembra que ela também precisa maturar. E quem lembra não têm paciência para maturar (embora se justifiquem dizendo que é falta de tempo). Bela desculpa!

E, assim como as panelas, os romances vão sendo descartados. E as pessoas vão ficando cada vez mais sozinhas e os relacionamentos cada vez mais superficiais.

* * *

Adorei o texto, viu?
Bjs!

O caminho se faz caminhando... um dia após o outro disse...

AMEI .. simplesmente ... vc escreve muitissimo bem....

Grande bj

Anônimo disse...

Simplesmente, fantástico seu texto!
Você conseguiu muito bem trazer o cotidiano para a realidade. Sua "teoria" sobre a panela de pressão, na verdade, está muito mais pra "prática"! Parabéns!

Júlia disse...

Muitoooo bom! Adorei, Laura! Mais uma vez, parabéns! Vc é ótima! Quanta sensibilidade, hein?
Beijos!

Anônimo disse...

Adorei também! Você brilhou mais uma vez!!! Beijos, Cacá

Ellpo disse...

Laurita querida (neste mundo de blogs me sinto em uma sala de estar as vezes..rs..) eu amei este texto...já te escrevi em Abril deste ano pedindo para vc NUNCA deixar de escrever este blog....fiquei sem net 10 dias (quase morri) e consequentemente sem ler seu blog...fez falta....cada palavra deste texto resume muito do que penso e sinto....um abraco apertado
Ellen