
Não sei porque cargas d'água, toda mulher, pelo menos uma vez na vida, surta e decide: vou cortar o cabelo. E se tem uma coisa nesse mundo que mexe com a sanidade das mulheres, é o cabelo.
Tenho observado que recém-casadas tem uma forte tendência a esse tipo de mudança. Não sei se é o alívio por PODER cortar o cabelo, já que antes de casar esse ato é terminantemente proibido (porque o cabelo tem que estar grande para poder fazer penteado), ou se é para a pessoa sentir que alguma coisa, de fato, mudou na vida.
Não descarto a hipótese de ser uma promessa (se eu casar, corto o cabelo assim que voltar da lua-de-mel).
Enfim, noiva é bem diferente de esposa e lá vai ela exibindo a cabeleira de "deixei de ser senhorita e agora sou jovem senhora".
Entretanto, independentemente do encalhamento ou desencalhamento (também chamado casório), toda mulher já fez uma loucura dessas. Geralmente, essa decisão se revela em pensamentos do seguinte modelo: "hum, tô precisando "dar uma mudada!"", ou "não estou aguentando essa cara de sempre", ou ainda, "nossa, quero o cabelo da Katie Holmes".
E lá vai ela (e lá fui eu), num momento de baixa auto-estima, fazer o que ninguém recomenda: uma mudança radical. Porque, nesses casos, você não sabe exatamente o que quer e deixa que o cabeleleiro realize as fantasias capilares (dele, excêntrico que é) na sua cabeça! Simplesmente, sem pensar em nada, você dá um cheque em branco e diz, inocente: me deixa linda!


Uma mini digressão, cabível nesse momento, é a seguinte: pensar que cabelo de celebridade em novela é uma coisa possível na vida real é o maior equívoco que você pode cometer. Cabelo de novela (filme ou minissérie) dá um trabalho danado, ninguém acorda com aquele cabelo. Conheço pessoas reais cuja cabeleira é tão indomável que cada tufo acorda de um jeito...
Voltando ao tema, eu, bonitona encalhada, sempre em minhas montanhas russas emocionais, não fujo a regra. Se até a Juliana Paes que, obviamente, é a Juliana Paes, já surtou e cortou, por conta própria, uma franjinha (li na Contigo!), quem seria eu para nunca ter feito o mesmo? Pois bem.
Já tive surtos pesados na adolescência, de sair de casa loira de cabelão e chegar morena com o cabelo curtinho e desfiado, que nem a Valery de "Barrados no Baile". Passei uma semana assustando toda vez que acordava e ia me olhar no espelho. Juro. Não me reconhecia, sonhava comigo de outro jeito. Enfim, foram-se os anos, o cabelo cresceu e clareou. Graças a Deus.
Meu surto mais recente começou com uma franja que minha mãe me ajudou a executar.
Preciso confessar, fiquei num visual duvidoso, alguma coisa entre paquita da Xuxa e yorkshire (mas mais para yorkshire). Minha franja espetou pra frente, ficava meio flutuando paralelamente ao meu rosto, como se fosse uma viseirinha. Bem yorkshire mesmo:

De fato, o problema da franja é que, além de demorar a crescer e poder ser presa com o restante do cabelo ou atrás das orelhas, ela incomoda para atos da via em geral, tais como enxergar, escrever, ler, conversar, fazer ginástica e dirigir (imaginem, eu já sou uma ameba ao volante).
Além disso, ou você passa a mão na franja toda hora, ensebando-a rapidamente ou você faz como os yorkshires e resolve o problema com tic-tacs e presilhinhas (que são mais charmosas nos caninos que em mim):


Superado o problema inicial da franja, ela cresceu, eu esqueci o trauma, e, de novo, surtei que queria um cabelo curto, meio na nuca, e lá fui, com meu cabelão.

O cabeleleiro, muito sensível, entendeu que não devia ser radical e foi cortando aos poucos. Ele tirava dois dedos (de cabeleleiro...como vocês sabem, em dedos normais seriam uns 4) e eu lá, empolgada: mais, mais, mais!!!

Obviamente, sai do salão me achando linda (todos os profissionais presentes garantiram que eu estava mesmo). Mas foi só começar a encontrar pessoas conhecidas que as reações eram:
-Nooooossa, que mudança tão radical!
- Nooosa, que coragem!
-Nossa, você ficou tão...diferente!
- Nossa, que moderno!
Vamos combinar que radical, corajosa, moderno e diferente são sinônimos claros de "não ficou bom". Fora as pessoas que eram mais sinceras:
- Por que você fez isso?
Nada pode ser mais deprimente que essa pergunta. Ela pode ser traduzida como "por que você fez essa idiotice? ou, ainda, como "por que você decidiu ficar mais feia"? Massacrante, também, é a variável: "é bom que cabelo cresce, né?" Ou, pior ainda: "nossa, nem te reconheci". Aliás, pior de tudo é quando a pessoa, sem saber como reagir, finge que não notou.
Aí, sinceramente, dá vontade de enfiar para sempre um saco de papelão na cabeça. Inclusive, achei uns sacos próprios para essas ocasiões:

Se ninguém te contou a verdade ainda, eu conto: quando você muda alguma coisa, e fica melhor, os comentários são: "nossa, você ficou linda!", "Muito melhor assim!", "Gente, o que você estava fazendo com aquele cabelo todo?"
Toda mulher sente quando as pessoas estão sendo apenas educadas. De confiança mesmo, nessas hipóteses, só a mãe. E a minha foi incisiva:
- Vou rezar pra você porque tenho certeza que pra fazer uma coisa dessas tem alguém com muita inveja do seu cabelo por ai.
Acrescentando, horrorizada:
- E pior é que estamos bem no meio da lua minguante! Vai demorar muito pra crescer!
Além dos comentários depreciativos, você ainda tem que lidar com a ressaca do cabelo. Explico. Depois de um dia mega arrumado de salão, o cabelo acorda de ressaca, com aquela cara de "preciso de salão de novo!", mais ou menos a mesma cara de quem acorda depois de um mega casamento. E ai, amiga, é você quem vai ter que lidar com o mal humor dele, com todas as variáveis, cada mecha sofrida, ajeitar com amor.
O meu cabelo, pelo menos, é super sentimental. Fica ressentido por ter sido cortado. Se o cabeleleiro fala que vai dar uma desfiadinha, meu cabelo sussura diretamente no meu cerébro, vingativo: desfiadinha? ah, tá! Amanhã estarei exibindo cada golpe que sofri com essa navalha!
E acorda parecendo que foi picado com uma tesoura de podar jardim, tipo Edward Mãos de Tesoura.

Voltando ao meu drama, já estava arrasada, tristinha, investindo rios de dinheiro em passadores e elásticos, considerando a hipótese de um aplique, um mega hair, qualquer coisa cara e trabalhosa, quando um colega de trabalho, por acaso, sugeriu:
- Laurinha, essa revolução toda foi da tesoura do desejo?
E eu, ignorante e encucada:
- Hein?
- Tesoura do desejo, a música, ué! - e saiu.
Fui pesquisar no Google e descobri a música, que, de verdade, traduziu meu corte de cabelo. É uma música do Alceu Valença que fala do reencontro de dois ex-apaixonados. A versão que ouvi é cantada pelo Geraldo Azevedo e pela Elba Ramalho.
Pelo que entendi, o moço marca um encontro com uma antiga paixão, e fica esperando por ela, num bar do Leblon. Quando eles se reencontram, ela está com os cabelos diferentes, e ele fica vendo que ela mudou, que o tempo deles passou, que ela não pertence mais a ele.
E ele pergunta: o que que houve, meu amor, você cortou os seus cabelos? E ela responde: foi a tesoura do desejo...desejo mesmo de mudar!
A partir daí, adotei a resposta (adoro adotar frases dos outros). O que eu fiz com meu cabelo?
Não fui eu. Foi a tesoura do desejo. Desejo MESMO de mudar.